quarta-feira, 24 de setembro de 2008

ECA - parte 2

BAZÍLIO, Luiz Cavalieri e KRAMER, Sonia. Infância, educação e direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2. Ed., 2006, p. 29-50.

Capítulo: O estatuto da criança e do adolescente está em risco? Os conselhos tutelares e as medidas socioeducativas.

Bazílio inicia o texto com uma pergunta contundente:
“Por que, afinal de contas, depois de tanto tempo decorrida a promulgação desta lei, a prática social com relação à infância continua sendo marcada por violência, negligencia e incompetência na esfera pública?” (p. 29-30)
A resposta ainda está para ser escrita. Mas, este texto nos dá algumas pistas.

Segundo o autor, o Estatuto propõe dois eixos de mudança no atendimento / educação de crianças e adolescentes:
1) Ações “protetivas” que visam resgatar ou dar oportunidade de correção da trajetória de vida, com ênfase na aquisição de direitos básicos violados. São desempenhadas principalmente por Conselhos Tutelares, na esfera dos bairros.
2) As ações “socioeducativas” aparecem quando o jovem está em conflito com a lei (antes, se dizia autor de ato infracional). Propõe a substituição de medidas repressivas por outras educativas ou socializadoras. (...) na perspectiva do Estatuto, o encarceramento “seria um ato de irresponsabilidade se não tivesse permeado pela possibilidade libertadora da educação.” (p. 31)
O Estatuto lista as diferentes opções de práticas: “advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade, internação em estabelecimento educacional, entre outras. E acrescenta: a “medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração [...] Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado [...]” (p.44)
É fixado um tempo máximo para internação e estabelece uma reavaliação a cada 6 meses durante o processo educativo, aspecto de grande avanço.

“Historicidade e Desnaturalização”
A formação do campo denominado Direitos / defesa de crianças e adolescentes é fruto de alianças, embates e disputas. Com a implantação do ECA surgiu a figura do conselheiro tutelar e suas ações de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.
A ação dos conselheiros, em todo país, se deu de forma conturbada devido à falta de preparo e de debate acerca de seus mecanismos de trabalho. O resultado foram medidas improvisadas com “práticas mais duras e eficazes nas cidades onde o movimento social era mais denso; mais inconseqüentes ou oportunistas nos municípios onde a tradição do debate democrático sobre a infância não havia sido travada.” (p. 31).
Os conselheiros enfrentam, além das resistências externas, dificuldades devido à falta de formação e preparo.

“Desjudicialização[...]”
E, como se deu o processo de desjudicializar as práticas sociais que envolvem a infância? Foi logo após a promulgação da CF de 1988. A discussão política estava em evidencia e pessoas interessadas nesta questão aproveitaram o momento de construção democrática para aprovar o ECA.
No inicio dos anos 1990, surgiu o Educador Social de Rua que acompanha crianças e jovens de rua buscando encaminhá-los para uma vida digna, visando afastar as políticas direcionadas a este campo, mais para um viés sócio educativo e do que judiciário.

Mas, afinal, quais seriam os principais problemas enfrentados pela população que recorre à ação dos conselhos tutelares?
a) “Falta de estrutura (física, material e apoio) para atender a real demanda das violações de direitos”. (p. 40). Segundo Bazílio, o movimento social que promoveu a implantação do ECA não garantiu seu funcionamento.
b) Ausência de capacitação e/ou qualidade dos treinamentos oferecidos: qualificação daqueles que capacitam, quais os conteúdos selecionados para esta formação, a intensidade e seriedade do processo.
c) Questões relativas à representação política do conselheiro, embora deva ser eleito por votação popular.
d) Falta de retaguarda ou estrutura de apoio. Muitas vezes, não há para onde encaminhar os casos.
e) Excesso de solicitações de demanda direta (encaminhamentos, atendimentos) prejudicam funções de fiscalização e supervisão aos abrigos e demais entidades que prestam atendimento à infância,

“Punição x educação – novos debates”
Segundo a definição das medidas citadas no Estatuto, “elas podem ser ao mesmo tempo “privativa de liberdade” [...] e educativa” – definição que comporta em si certa contradição, pois em nosso ideal educação e liberdade são indissociáveis.
É nesta contradição que se centram os debates a fim de modificar o capítulo do Estatuto relativo “às medidas socioeducativas e às práticas dele decorrentes” (p. 46) Há dois lados, com opiniões diferentes:
1º) De um lado, o grupo que visa substituir o texto em vigor por outro que detalhe o “direito de responsabilização juvenil”, pois não há ação educativa que dê certo “avaliada e reavaliada a cada seis meses em contexto de internação”. (p. 47)
2º) Do outro lado, o grupo que embora admita as dificuldades de se educar em um regime fechado, argumenta que a contradição entre educação e tutela pode ser superada ou reduzida com mais infra-estrutura e atenção para a capacitação do pessoal envolvido.

“Equívocos na implantação das medidas socioeducativas”
Há uma realidade a se considerar:
a) a violência nas instituições não foi reduzida
b) o judiciário ainda procura brechas na legislação para assegurar a merecida punição e a proporcionalidade da pena com relação ao delito.
c) as instituições de internação não têm seu quadro de funcionários completos e/ou de qualidade (formação)
d) não há investimentos nos programas de liberdade assistida
A sociedade se vê, então, diante de uma escolha: manter o Estatuto como está e mobilizarmos a sociedade para que este se cumpra; ou, modificamos seu texto a fim de garantir metas eficazes com apenação, culpabilização e reciprocidade (culpar e contabilizar a pena).
O autor encerra tecendo uma defesa consistente:
“Ante a avalanche conservadora e autoritária expressa por setores da mídia que buscam caracterizar direitos humanos com permissividade, respeito por ingenuidade, nossa resposta tem que conter firmeza e muito trabalho porque vale a pena lutar por esta utopia, vale a pena construir civilização em vez de barbárie.” (p. 50)

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