domingo, 23 de novembro de 2008

A construção social e psicológica dos valores

ARAÚJO, Ulisses Ferreira de; PUIG, Josep Maria; ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Educação e valores: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2007, p. 9-28 e 38-64.

Capítulo: “A construção social e psicológica dos valores” de Ulisses de ARAÚJO

Educação e valores é o objeto de estudo deste texto, construído na intersecção entre a psicologia e a educação. Para tanto, o autor tece inicialmente uma discussão “dos processos psicológicos de construção de valores” para, em seguida, apresentar procedimentos e estratégias educativas “que permitam propiciar a construção de ambientes éticos na escola e em suas inter-relações com a comunidade de seu entorno.” (p. 18)

Araújo defende que “a educação deve pautar-se cotidianamente em valores de democracia, de ética e de cidadania.” (p. 19) E pergunta: como os seres humanos se apropriam de determinados valores e não de outros?

Para seguir adiante, o autor se embasa em Jean Piaget que nos anos de 1950 defendia que a construção dos valores passa – necessariamente – pela afetividade. Os valores resultam das interações do sujeito com o mundo objetivo e subjetivo em que vive. Portanto, é a ação do sujeito que possibilita o entendimento sobre porque pessoas que crescem em um mesmo ambiente podem construir valores diferentes.

O autor afirma que se pode pensar em “valores” e “contravalores”. O primeiro é formado a partir de experiências positivas e o segundo a partir de experiências negativas. Afirma também que “é possível o ser humano construir valores que não sejam morais”, desobrigados da avaliação do que é certo ou errado. Assim sendo, valores e contravalores “vão se organizando em um sistema de valores e se incorporando à identidade das pessoas, às representações que elas fazem de si.” (p. 23)

As pessoas agirão de acordo com este sistema valorativo que se organizará de uma forma extremamente complexa. “Um mesmo valor (por exemplo, ser honesto) pode ser central ou periférico na identidade do mesmo sujeito, dependendo do conteúdo e das pessoas envolvidas na ação.” (p. 25)

Ao mesmo tempo, as pessoas sofrerão a ação dos sentimentos e emoções chamadas de morais pelos psicólogos: a vergonha, a culpa e o remorso. Estes sentimentos atuarão como reguladores e não permitirão que uma pessoa sossegue se não seguir os valores centrais que compõem sua personalidade.

Araujo diferencia o valor psíquico do valor moral. O primeiro é inerente à natureza humana, já o segundo é construído socialmente.

Para que a escola possibilite a construção de valores éticos (= valores morais), Araújo defende a criação de um ambiente em três tipos de ações independentes, mas complementares.

1. A inserção transversal e interdisciplinar de conteúdos de natureza ética no currículo das escolas.
Segundo o autor, as temáticas que objetivam a educação em valores, que tentam responder aos problemas sociais e conectar a escola com a vida das pessoas”, devem se transformar no “eixo vertebrador” do sistema educativo. (p. 38) Desta forma, a formação ética para a cidadania passa a ser a principal finalidade da educação. (p. 39).

Isto requer um planejamento organizado a partir da “pedagogia de projetos”. Esta pedagogia tem três características: a referência ao futuro; a abertura para o novo; e, a ação realizada pelo sujeito que projeta.

Esta perspectiva opera com a idéia de que “o avanço na compreensão da natureza, da cultura e da vida humana se dá nas ligações que podemos estabelecer entre os mais diversos tipos de conhecimento: cientifico popular, disciplinar, não-disciplinar, cotidiano, acadêmico, físico, social etc. Ou seja, o ‘segredo’ está nas relações, nos infinitos caminhos que permitem ligar os conhecimentos entre si.” (p. 43)

Araujo sugere que na prática, isto de traduza em projetos com ponto de partida definido, mas cujo ponto de chegada seja incerto, indeterminado, porque está aberto aos eventos aleatórios que perpassam seu desenvolvimento.

2. A introdução de sistemáticas que visam à melhoria e a democratização das relações interpessoais no cotidiano escolar

Para tanto, será necessário a constituição de conhecimentos como uma “rede” de significados:
Compreender é aprender o significado → significar é ver o objeto ou acontecimento aprendido nas relações com outros objetos e significados → significados = feixes de relações → as relações articulam-se em teias, redes construídas social e individualmente, em permanente estado de atualização → tanto individualmente como socialmente, a idéia de conhecer se assemelha à idéia de enredar. (p. 44-45)

Entretanto, relações geram conflitos. E não fomos preparados para compartilhar e resolver conflitos. Daí, a idéia de uma educação baseada em propostas de resolução de conflitos que valorize a cooperação, a autoconfiança e confiança nos companheiros. Esta forma educacional leva a uma forma de convivência mais satisfatória e à melhoria da qualidade de vida.

Araujo defende a pratica de assembléias escolares porque segundo ele, esta pratica permite “a construção psicológica, social, cultural e moral do próprio sujeito, em um movimento dialético em que o coletivo transforma e constitui cada um de nós, que, por nossa vez transformamos e ajudamos na constituição dos espaços e das ações coletivas.” (p. 50)

As assembléias são o momento institucional de palavra e do dialogo. (p. 50) E o que pretende é reconhecer e articular os princípios de igualdade e de equidade presentes nos espaços de convivência humana (p. 52): espaços onde se convive com valores, crenças, desejos, histórias e culturas diferentes. Para promover o desenvolvimento do dialogo entre diferentes é preciso desenvolver capacidades de não-violência, respeito, justiça, democracia, solidariedade e muitos outros. “Mais importante ainda é não fazê-lo de forma teórica, mas na pratica, a partir dos conflitos diários.” (p. 53)

Os tipos de assembléias são: de classe, envolvendo o espaço especifico de cada sala de aula; de escola, que regula e regulamenta as relações e convivência nos espaços coletivos; docente, regula e regulamenta as relações entre docentes, docentes e direção, conteúdos que envolvam a vida funcional e administrativa da escola, incluindo, a construção e prática do Projeto Político-Pedagógico.

3. A articulação das ações escolares com a família e a comunidade onde vive a criança
A articulação com a comunidade deve se dar sem que a escola abra mão de suas especificidades. “O cerne desta proposta é tornar os recursos da cidade, do bairro e, prioritariamente, do entorno da escola espaços de aprendizagem e de promoção e garantia de direitos, deveres e cidadania.” (p. 57)

Para tanto, Araujo defende a criação de um “Fórum Escolar de Ética e Cidadania” que representariam a comunidade dentro da escola, estabelecendo uma relação transversal entre currículo escolar e os interesses / necessidades da população local.

“Levar temáticas de ética, convivência democrática, direitos humanos e inclusão social para dentro da sala de aula, articuladas com os conteúdos tradicionalmente contemplados pelos currículos e desenvolvidos com a comunidade, pressupõe uma nova maneira de pensar o papel da escola.” (p. 60) Isto implica na revisão dos papeis dos diferentes atores e uma abertura sensível e acolhedora. Assim a escola será re-significada.

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